- Correto, doutor.
- Eu pensei que você fosse me
dizer isto, afinal, não sou eu que recebo por estar aqui...
(Cinco minutos de silêncio)
- Então, o que te atormenta
- Nada.
- Nada?
- Não exatamente.
- Hum.
- Doutor, não sei mais o que
fazer. É uma garota. É a garota.
- Fale-me sobre ela.
- É a guria do ônibus, doutor. Ela
está me enlouquecendo, doutor, eu não agüento mais.
- Siga...
- Ela parecia ser a coisa mais
linda do mundo, aquele sorriso mascarado, escondido, tentando disfarçar, o
jeito solto de rir, aquele jeito meigo de se aproximar...
- E por que você não a agüenta
mais?
- Doutor, era tudo mentira! Ela é uma
ciumenta! Ela tem ciúme das minhas amigas, das minhas primas, até da minha irmãzinha
ela tem ciúmes!? Encana com o meu futebol de Domingo, não pára de falar que eu
a troco pelos meus amigos...
- Bem, o ciúme dela realmente não
é normal, mas vocês já tentaram conversar? Com certeza ela tem algumas
qualidades também, então será que não seria o caso de tentar contornar esse
ciúme todo?
- Sim... Ela tem qualidades. Ela
tem um bom gosto musical, nós temos boas conversas, ela cozinha muito bem, se
interessa bastante por mim...
- Viu só, não é o fim do mundo!
- Doutor, me escuta, é o fim do
mundo sim! Ela é meio doida. Às vezes ela enlouquece e inventa de querer
discutir a relação e vive fazendo aquelas perguntas fatais...
- Perguntas fatais?
- Doutor, o senhor é casado?
- Sou.
- Então, não há como você não
saber...
- Não?
- Claro que não! Sua esposa já
perguntou ao senhor se está gorda? Já encanou alguma vez quando o senhor disse
“Meu bem, como você está bonita HOJE”? Ou “O que você acha desse vestido”?
Ainda o “Você acha minha amiga bonita”?
- Huuuuum... Sim, entendo.
Realmente, são perguntas fatais. Nem gosto de lembrar, ontem à noite a Débora
me perguntou o que eu achava da mãe dela passar alguns dias conosco...
- Nossa, doutor, não sabia que o
senhor também sofria com isto!?
- Rapaz, todos nós sofremos.
- Então, doutor, a pior parte é a
confusão, sabe? Às vezes eu não sei se a odeio, se a amo, o que realmente sinto
por essa bendita!?
- Fale mais.
- Quando ela não está perto, eu
sinto saudades, sabe, a falta mesmo, a presença dela já faz um marco em minha vida.
Mas quando ela chega, ela me enche de ódio, de raiva, fica tirando as coisas do
lugar, reclama que o meu quarto está uma zona, que eu deveria levar as roupas
para o cesto de roupa suja e não fazer o meu montinho ao lado da cama. Reclama
que tem muita coisa na mesa do computador, que eu rabisco os livros... Eu
praticamente quero esganá-la e jogá-la pela janela.
- A Débora também faz isto comigo.
Eu sei como é. Dá vontade de tapar a boca dela com um pote de formol, para que
ela apague por alguns dias, até que esse encosto saía dela.
- É doutor. Mas sabe... Depois
isso passa, ela senta na minha frente e abre aquele sorriso e não tem como não
me derreter. Eu odeio como ela faz o meu ódio desaparecer, não dá pra ficar
bravo com ela; ela simplesmente faz tudo sumir, o céu estava cinza, ela olha lá
pra fora e vem um arco-íris.
- Vem cá e como é o nome dela?
- O nome dela? Bem, isso eu não
sei.
- Como não sabe?
- Então, doutor, ela existe. Mas
tudo isso que eu te falei nunca aconteceu.
- Não?
- É que todo dia eu pegava um
ônibus pela manhã, bem cedo. Ela estava lá. E eu a olhava, ela me olhava, mas
eu sempre fui muito tímido, então, nunca sentei ao lado dela, nunca tive a
coragem de dizer um “oi” sequer, nem jogar aquelas conversas fiadas de “como o
tempo está feio hoje”. E agora, nem eu, nem ela pegamos aquele ônibus e eu acho
que perdi uma das maiores oportunidades de minha vida.
- Então, o seu problema é
frustração...
- Não, doutor. Não sei se o senhor
percebeu, mas o meu problema é com a imaginação, um tanto quanto fértil... E
alguém que imagina esse tipo de coisa precisa de terapia, não acha?
Um comentário:
hahaahha boaaa
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