Foto da Carta Capital |
Sinceramente, eu entendo que alguém como Rodrigo Constantino seja incapaz de enxergar o simbolismo racista que é um jovem negro ser amarrado nu a um poste e agredido violentamente. É difícil para alguém que vive do alto de sua coluna da revista Veja, de uma crença firme em uma liberalismo econômico exacerbado que mal consegue fazer frente a argumentos de Ciro Gomes e Tico Santa Cruz, que pinta a sociedade como igual, perceber o quão ilustrativa essa imagem é a remontagem do tratamento escravista legalmente abolido há mais de um século.
Não é uma questão de culpar o ambiente ou proteger bandido. É enxergar o comportamento da própria sociedade, que justifica os fins que interessam de forma contraditória e hipócrita. A ação violenta contra o criminoso pobre e negro é aplaudida e defendida em coro. “Ser bandido é uma escolha”, é o argumento do colunista da Veja. E se ser bandido é meramente uma escolha, as consequências dessa escolha, no caso sofrer tal violência, é algo natural e aceitável pela sociedade. Pelo menos na cabeça do colunista e de quem o segue.
O que o indivíduo é e se torna não é um determinismo ambiental. Porém, há limites, incentivos e a construção de condições para que alguns possam se tornar diretores de uma empresa ou trombadinhas. Não é uma mera consequência? Não é, mas não é algo simplesmente escolhido.
É mais fácil seguir um caminho correto quando todas as condições para ter uma vida próspera são ofertadas. A questão do mérito se torna uma alternativa razoável quando há oportunidade relevantes a conquistar. Quando se tem acesso a educação, se possui uma estrutura de vida (casa, comida, conforto), ser bandido é uma opção.
É uma opção para essa pessoas, pois, mesmo com tudo isso, se tornam corruptíveis. Sonegam imposto, pagam “um café” para o guarda de trânsito, participam de esquemas fraudulentos, matam a namorada, abusam sexualmente da filha adotiva.
É fácil odiar o bandido pobre. Ele é agressivo, ele é violento. E violência se paga com violência, pelo menos no código de Hamurábi, essa “tão moderna” normativa de organização social. É fácil não se importar com a morte de quem praticou violência. É confortável construir uma relação entre causa e consequência nesses eventos.
Porém, o quão fácil é escolher uma vida sem crime quando não se tem a oportunidade do estudo? Quando sua carreira será de vendedor de doce no metrô? Ou flanelinha? Quão fácil é escolher o caminho honesto quando não se tem uma refeição para comer todos os dias? Quando a noite não há cama, travesseiro ou sequer casa para repousar? Quando não se possui uma família, pai ou mãe a olhar por você?
Não é uma questão de justificar as ações criminosas de um bandido, mas entender os fatores estruturais da sociedade que estimulam que exista um número grande de bandidos violentos oriundos das classes mais pobres. Entender que essa problemática não é limitada ao indivíduo, mas sim é uma expressão dos problemas estruturais da sociedade.
O criminoso não é a origem. Ele é uma prática, uma manifestação da doença que nossa sociedade sofre. Ele é um sintoma. Matar o indivíduo, acorrentá-lo nu em praça pública, revidar a violência, nada disso realmente será solução para a violência. É olhar para o caso isolado, é tratar um sintoma.