24 abril 2012

Quem perdeu o limite, o Pânico ou você?



Foi grande o barulho sobre o Pânico na Band ter raspado o cabelo de uma de suas dançarinas. De fato, o programa conseguiu uma medição de audiência pelo Ibope impressionante para a emissora que está; foram 12 pontos.

Logo após passar a máquina na cabeça da Panicat Babi começou o frisson no Facebook e no Twitter. O Pânico normalmente já é Trendind Topic no Twitter, pois a base do seu público é jovem e está na rede social. A maior parte de suas campanhas está ligada ao Twitter e essa ferramenta foi o termômetro desta ação, foi dali que o programa retirou a “prenda” para sua colaboradora.

Porém, minha atenção foi captada pelas fotos com a Panicat tendo sua cabeça raspada que circularam pelo Facebook. Frases de indignação, depoimentos de quão assustadas as pessoas estavam na busca do Pânico por audiência. A frase mais recorrente é que o Pânico perdeu o senso de limite, não havia mais noção nas ações do programa.

O grande negócio está que o Pânico sempre se propôs a essa conduta anárquica, sem limitações, repleta de controvérsias. O Pânico não tem o objetivo de chocar, mas de promover o bizarro que você quer ver. O espetáculo deste domingo foi o grito da multidão que clamava. A Panicat aceitou e recebeu bem pelo seu papel de “gladiadora” moderna e foi o circo que o programa precisava para rentabilizar seus ganhos expandindo sua audiência.

Você pode achar o que aconteceu ridículo. Eu também acho. Considero uma ação completamente idiota. A maioria das mulheres que raspa o cabelo o faz por questões de saúde. Não é uma imagem com a qual se deva brincar.

Mas o Pânico está ai exatamente para isso. Para fazer o que ninguém mais teria coragem, por ser algo completamente estúpido e idiota. E esse programa fará isso, pois é o circo que você quer ver. Essa repercussão já era esperada por eles. Já sabiam que o ódio de alguns viria, mas o escárnio e diversão de um grande número também aconteceria.

O Pânico nada mais é que um reflexo do que você quer ver no seu lado mais baixo, como audiência. Querendo ou não, isso faz parte de nossa sociedade. Esse é o entretenimento preferido de nossa nova geração. Essa é a grande cultura que ela ingere. A nossa massa vangloria a incultura e santifica hediondo. Nossa massa não tem limites.

E nisso o Pânico foi genial. Pois seus produtores sabem do que vivem e fazem o que é preciso para terem seu ganho, seu sucesso. O Pânico não tem limites, mas não é por si próprio; é porque nós, sua audiência, não temos. No fim, o programa nada mais é que mero reflexo.

Quando o CQC subiu num pedestal...


Quando o CQC foi ao ar pela primeira vez, eu fiquei impressionado. Estava na faculdade de comunicação social e aquilo era exatamente o sonho de qualquer amante do jornalismo diferenciado. Eram perguntas acidas, repletas de ironia e inteligência. A mesmice da televisão havia se dissipado em quadros de utilidade pública.

Celebridades ficavam sem respostas frente a perguntas retóricas. Políticos ficavam sem chão quando deparados com os questionamentos que todos gostaríamos de fazer. Aquele CQC não tinha respeito por quem não merecia nenhum.

Mas com o passar do tempo, o desgaste ocorreu. O programa evoluiu pela pressão comercial, seu integrante mais medíocre – aquele que não acrescenta absolutamente nada no aspecto jornalístico e intelectual – Marco Luque passou a ter mais espaço e importância por sua rede de contatos publicitários. O programa passou a ter uma tendência cada vez mais amarrada a interesses comerciais frente à integridade de seu conteúdo.

Esse é um movimento natural em toda mídia. O problema é que isso interfere diretamente na qualidade do programa. Isso culminou na saída de Rafael Bastos do quadro do programa e da Rede Bandeirantes, consequentemente. Não que a saída de Bastos seja por si a queda de qualidade, pois com o próprio Rafael essa descendente ocorria.

Muitas coisas contribuíram para que o programa se envaidecesse e desvirtuasse. O CQC passou a ganhar prêmios como programa de comédia, de humor. Jamais foi reconhecido como programa jornalístico pelo meio. Passou a ser ostensivamente comparado ao Pânico. Isso claramente influenciou na linha do programa.

Os quadros com “brincadeiras” e abordagens completamente irrelevantes passaram a ser mais frequentes. Não há jornalistas no CQC, hoje, há apenas humoristas. Nenhum deles se porta como um profissional de mídia com consciência e responsabilidade de interesse público. Há um exagero no tratamento de questões que mostra total despreparo e total tendência para demonizar entrevistados.

Isso ficou evidente nas matérias feitas pelos dois novos “repórteres”. Ao dar de ombros para um entrevistado de Alagoas durante uma entrevista, um deles mostrou claramente a total falta de respeito pelo entrevistado e por um tratamento isento para manifestação do entrevistado. Tudo que esses dois senhores têm buscado é deixar os objetos de suas “entrevistas” como personagens caricatos para suas piadas e ofensas.

A explosão deste fato gritante ocorreu na semana passada, durante a visita de Hillary Clinton, atual Secretária de Estado dos Estados os Unidos da América, ao Brasil. Era uma visita oficial, tratando de assuntos extremamente delicados que exigiam alta postura diplomática.

Qualquer pessoa que tenha o menor trânsito no meio da comunicação sabe a dificuldade que é conseguir que o governo norte-americano conceda uma coletiva de imprensa durante uma visita oficial deste teor e situação. E quando isso ocorre, há toda uma organização e decoro que são utilizados por se tratar da relação direta entre representantes de distintas nações. Ou seja, o que acontece num evento desses pode também influenciar a relação diplomática e a futura realização de coletivas de representantes desse país visitante.

A brincadeira realizada pelo “repórter” Maurício Meireles constrangeu a comitiva estadunidense e os representantes brasileiros. A insistência do membro do CQC em entregar seu presente gerou desconforto e sim, pode ser a causa de futuras dificuldades para toda imprensa brasileira em questões de cobertura internacional.

Meireles poderia ter feito perguntas inteligentes. Poderia ter desconcertado Hillary confrontando com questões sérias e falhas da gestão de Obama. Mas preferiu balançar uma máscara de carnaval e agir como uma criança mimada.

A ação por si só já seria de terrível embaraço. Porém, ao exibir a matéria, o CQC cortou todo o constrangimento, confusão e revolta causada por seu repórter. E não se contentou com isso. Marcelo Tas, a quem eu por muito tempo tive admiração, me decepcionou profundamente.

Tas ironicamente afirmava que o CQC não possuía poderes para afetar relações diplomáticas. Mas Tas sabe que relações diplomáticas são afetas pelas amenidades mais absurdas e irrisórias. Tas não é ingênuo. Tas retrocedeu de um jornalista inteligentíssimo para um mediador de comediantes. Retrocedeu ao dizer que foi uma brincadeira inocente o que houve e que nenhum constrangimento ocorreu. Que a revolta de jornalistas foi à toa.

Tas reclamou do posicionamento do Sindicato dos Jornalistas de Brasília de pedir a restrição da credencial do CQC para eventos políticos. Mas quando reclama desse posicionamento, Tas ergue o CQC ao status de programa jornalístico e coloca sua censura como uma ameaça, a abertura da brecha para censura de todo o jornalismo.

Porém, Tas em seu discurso esquece de algo crucial; para que a censura ao CQC tenha potencial de censura jornalística, é preciso que o CQC em algum momento volte a produzir jornalismo. Independente de interesses comerciais. Independente do quadro de repórteres e apresentadores.

Hoje, o CQC é meramente um programa de humor. E um programa de humor medroso. Pois tenta a alcunha de audacioso, mas não tem coragem de ultrapassar qualquer limite, como tem o Pânico. Tenta pegar para si a estirpe de humor inteligente, mas tudo que consegue é ser agressivo e arrogante. Tenta ser inovador e diferenciado, mas tudo que tem feito são as mesmas piadas velhas.

A tristeza está que o CQC subiu num pedestal e se perdeu de sua grande qualidade, que eram os pés firmados no chão de quem simplesmente queria dizer o que precisava ser dito. E infelizmente hoje diz qualquer coisa apenas para ser ouvido.

23 abril 2012

Público ou coletivo

Nosso sistema de transportes é público apenas na gestão
Eram 15h40 de domingo, um tempo irritante que não se decidia entre um calor tímido e chuviscos de uma chuva gélida. O ponto de ônibus do início da Avenida Tucuruvi estava quase vazio, com apenas seis pessoas.


Eu não estava bem vestido, pelo contrario, estava bem do avesso, depois de um sábado a noite especial. O domingo parecia vadio e preguiçoso, apenas me convidando a recolher ao ócio.


Mas antes disso, precisava pegar o costumeiro ônibus para casa. Estava lá eu, sentado no banco do ponto, ao meu lado um senhor com um livro e do outro uma senhora. Em pé, meio distantes, estavam três homens. Sujos, magros, cabelos bagunçados, barbas sujas, magros, mal agasalhados e sem um centavo no bolso.


Passa o primeiro ônibus. Era um que seguia sentido à Cantareira. Eles dão sinal, ônibus para. Abre a porta e um deles se aproxima e conversa com o motorista. Ao notar o teor da conversa, o motorista fecha a porta com o homem no primeiro degrau. O homem pedia para ir até o final da avenida, três pontos à frente. Mas não tinha dinheiro para isso. Ele e os outros dois amigos.


Outro ônibus passou e nem ao menos parou para ele. Um dos amigos se revoltou. Esbravejava que era uma vergonha. “Transporte público para quem? Nós não temos transporte público!”.


O corajoso triplamente rejeitado pelos motoristas sorriu. E apenas pediu calma ao amigo. Apenas murmurou “é coletivo, não público”. Um homem simples, aparentemente, com o domínio muito simples do que é o braço do nosso serviço público.


Uma troca de frases despretensiosa, carregada com uma leitura clara da realidade. A única característica dos nossos serviços públicos é a de serem organizados pelos nossos órgãos e instituições do Estado. Mas não são públicos. Não são serviços disponíveis para todos, não é algo aberto de forma irrestrita a qualquer cidadão. É um serviço coletivo, é uma divisão da necessidade de locomoção de um grupo de indivíduos. E possui um pré-requisito para participação: A passagem.


Você precisa participar de uma forma de obter o direito a utilização do serviço coletivo. Para isso, paga uma passagem. Veja bem, você já pagou o imposto, de alguma forma. Seja pelo consumo ou outras vias que o governo possui de tributar o cidadão. Você já possibilitou a existência desse serviço. Porém, ele é um serviço particular para um coletivo de pessoas: aqueles que pagam a passagem.


Os três homens precisam se deslocar por uma pequena distância, para o coletivo. Porém, para o estado que se encontravam, era uma longa distância para o estado que se encontravam. Principalmente levando em consideração o estado debilitado de um deles, que havia acabado de sair de uma internação e estava visivelmente abatido.


Eu pude seguir meu caminho, pois faço parte do coletivo. Mas por que pagamos um preço tão algo por uma coisa pública que, de fato, não existe?