Quando o CQC foi ao ar pela primeira vez, eu fiquei
impressionado. Estava na faculdade de comunicação social e aquilo era
exatamente o sonho de qualquer amante do jornalismo diferenciado. Eram
perguntas acidas, repletas de ironia e inteligência. A mesmice da televisão
havia se dissipado em quadros de utilidade pública.
Celebridades ficavam sem respostas frente a perguntas
retóricas. Políticos ficavam sem chão quando deparados com os questionamentos
que todos gostaríamos de fazer. Aquele CQC não tinha respeito por quem não
merecia nenhum.
Mas com o passar do tempo, o desgaste ocorreu. O programa
evoluiu pela pressão comercial, seu integrante mais medíocre – aquele que não
acrescenta absolutamente nada no aspecto jornalístico e intelectual – Marco Luque
passou a ter mais espaço e importância por sua rede de contatos publicitários.
O programa passou a ter uma tendência cada vez mais amarrada a interesses
comerciais frente à integridade de seu conteúdo.
Esse é um movimento natural em toda mídia. O problema é que
isso interfere diretamente na qualidade do programa. Isso culminou na saída de
Rafael Bastos do quadro do programa e da Rede Bandeirantes, consequentemente. Não
que a saída de Bastos seja por si a queda de qualidade, pois com o próprio
Rafael essa descendente ocorria.
Muitas coisas contribuíram para que o programa se
envaidecesse e desvirtuasse. O CQC passou a ganhar prêmios como programa de
comédia, de humor. Jamais foi reconhecido como programa jornalístico pelo meio.
Passou a ser ostensivamente comparado ao Pânico. Isso claramente influenciou na
linha do programa.
Os quadros com “brincadeiras” e abordagens completamente
irrelevantes passaram a ser mais frequentes. Não há jornalistas no CQC, hoje,
há apenas humoristas. Nenhum deles se porta como um profissional de mídia com
consciência e responsabilidade de interesse público. Há um exagero no
tratamento de questões que mostra total despreparo e total tendência para
demonizar entrevistados.
Isso ficou evidente nas matérias feitas pelos dois novos “repórteres”.
Ao dar de ombros para um entrevistado de Alagoas durante uma entrevista, um
deles mostrou claramente a total falta de respeito pelo entrevistado e por um
tratamento isento para manifestação do entrevistado. Tudo que esses dois
senhores têm buscado é deixar os objetos de suas “entrevistas” como personagens
caricatos para suas piadas e ofensas.
A explosão deste fato gritante ocorreu na semana passada,
durante a visita de Hillary Clinton, atual Secretária de Estado dos Estados os
Unidos da América, ao Brasil. Era uma visita oficial, tratando de assuntos
extremamente delicados que exigiam alta postura diplomática.
Qualquer pessoa que tenha o menor trânsito no meio da
comunicação sabe a dificuldade que é conseguir que o governo norte-americano
conceda uma coletiva de imprensa durante uma visita oficial deste teor e situação.
E quando isso ocorre, há toda uma organização e decoro que são utilizados por
se tratar da relação direta entre representantes de distintas nações. Ou seja,
o que acontece num evento desses pode também influenciar a relação diplomática
e a futura realização de coletivas de representantes desse país visitante.
A brincadeira realizada pelo “repórter” Maurício Meireles
constrangeu a comitiva estadunidense e os representantes brasileiros. A
insistência do membro do CQC em entregar seu presente gerou desconforto e sim,
pode ser a causa de futuras dificuldades para toda imprensa brasileira em
questões de cobertura internacional.
Meireles poderia ter feito perguntas inteligentes. Poderia
ter desconcertado Hillary confrontando com questões sérias e falhas da gestão
de Obama. Mas preferiu balançar uma máscara de carnaval e agir como uma criança
mimada.
A ação por si só já seria de terrível embaraço. Porém, ao
exibir a matéria, o CQC cortou todo o constrangimento, confusão e revolta
causada por seu repórter. E não se contentou com isso. Marcelo Tas, a quem eu
por muito tempo tive admiração, me decepcionou profundamente.
Tas ironicamente afirmava que o CQC não possuía poderes para
afetar relações diplomáticas. Mas Tas sabe que relações diplomáticas são afetas
pelas amenidades mais absurdas e irrisórias. Tas não é ingênuo. Tas retrocedeu
de um jornalista inteligentíssimo para um mediador de comediantes. Retrocedeu
ao dizer que foi uma brincadeira inocente o que houve e que nenhum
constrangimento ocorreu. Que a revolta de jornalistas foi à toa.
Tas reclamou do posicionamento do Sindicato dos Jornalistas
de Brasília de pedir a restrição da credencial do CQC para eventos políticos.
Mas quando reclama desse posicionamento, Tas ergue o CQC ao status de programa
jornalístico e coloca sua censura como uma ameaça, a abertura da brecha para
censura de todo o jornalismo.
Porém, Tas em seu discurso esquece de algo crucial; para que
a censura ao CQC tenha potencial de censura jornalística, é preciso que o CQC
em algum momento volte a produzir jornalismo. Independente de interesses
comerciais. Independente do quadro de repórteres e apresentadores.
Hoje, o CQC é meramente um programa de humor. E um programa
de humor medroso. Pois tenta a alcunha de audacioso, mas não tem coragem de
ultrapassar qualquer limite, como tem o Pânico. Tenta pegar para si a estirpe
de humor inteligente, mas tudo que consegue é ser agressivo e arrogante. Tenta
ser inovador e diferenciado, mas tudo que tem feito são as mesmas piadas velhas.
A tristeza está que o CQC subiu num pedestal e se perdeu de
sua grande qualidade, que eram os pés firmados no chão de quem simplesmente
queria dizer o que precisava ser dito. E infelizmente hoje diz qualquer coisa
apenas para ser ouvido.