A vida é um grande engano. Somos
dotados da esperança de um porvir confortável, agradável, onde poderemos
degustar aquela felicidade utópica de um filme meloso de Hollywood. Buscamos a
felicidade em cada esquina, de forma tímida, disfarçadamente involuntária.
Esperamos que um(a) estranho(a) que dobre a esquina guarde a formula de nossa
felicidade em seu sorriso, desejamos ardentemente que o segundo seguinte venha
acompanhado de um êxtase constante e infindo, uma mentira inventada pela nossa
necessidade presente de completar o abismo que impera no âmago.
O que falta é uma resposta e a
nossa tendência é procurar a solução em outra incompletude. Buscamos algo que
encaixe, desesperadamente esperamos que a resposta esteja em um ponto exato,
tátil e visível de nossa vida. É a forma mais cômoda e fácil de encarar o
assustador vazio, buscar a resposta no vazio de outrem.
Nosso desespero se constrói quando
o conto de fadas que arquitetamos se mostra como um castelo de areia frágil que
se desfaz com a repentina mudança da maré. A mácula que nos tortura se faz
evidente quando nos deparamos com a frustração de espelho. Somos tão
defeituosos que a imperfeição é um fato assombroso.
Perdemo-nos em ilusões vãs quando
a verdade é que nosso foco está errado. Queremos ignorar a incompletude,
queremos fugir da verdade de qualquer forma, mas é inevitável, nossa carne não
mente, nosso sangue carrega o vil veneno de ser errante. Nossa sina é seguir
desesperadamente de lástima a falhas, torturando nosso peito com esperanças de
alegrias falsas que apenas tomam o tempo e intercalam o momento que encaramos a
realidade.
A vida é um grande engano! Queremos
ver tudo colorido, queremos cores alegres, queremos música e requinte. Porém a
vida não passa de um ciclo eterno, um romper constante, a instabilidade
visceral de alegria e tristeza.
Mas vida não é preto e branco; a
vida não passa de um grande engano. Enquanto procuramos diversos tons, a
realidade é que a vida é um emaranhado de tons de cinza. E não importa o quando
nos esforcemos para fazer o contrário, essa caminhada se limita à tentativa de
esvair-se da escuridão e atingir o deslumbramento de pura luz.
Tenro engano. Enquanto nossa busca
for incansável por um sorriso perdido, quando nosso dia não for alegre enquanto
os pássaros não entrarem pela nossa janela e nos fazerem crer na vida em conto
de fadas, a vida não passará de um narcótico.
Narcótico que perpetuará durante o
tempo que pulsar no peito a imbecil insistência de beber a ilusão,
alcoolizar-se na esperança de não ter que encarar o fato de ser você mesmo.
Ninguém gosta de estar tão próximo dos defeitos quanto à pessoa que os
comporta, é para ela que eles os são mais evidentes.
Mergulhados em nossa escandalosa
podridão, buscamos na imagem de perfeição dos outros a solução para a
corrompida estrutura de vida que somos. É uma pena que imaculada imagem
construída em nosso âmago seja incapaz de preencher os espaços não preenchidos
de nossas almas disformes. Uma imagem não passa de uma imagem, um reflexo
distorcido por uma água turva. Quanto mais próximos, mais claro o reflexo. E
quanto mais claro, mais abominável.
Somos insuportáveis. Tão insuportáveis
que entregamos aos outros o carma de nos suportar. Se tivermos que nos suportar
sozinhos, enlouquecemos. Talvez por isso sejamos tão incompletos.
Meu objetivo não é ser trágico.
Nem simplesmente apontar o óbvio de sermos meras personagens construídas que
buscam verdades em meras interpretações teatrais de outros que são meramente
tão iguais a nós. Meu sorriso de canto está em dizer que ao encarar a
incompletude e aceitá-la está a liberdade. A verdade é que há buracos que não
precisam ser preenchidos, lacunas são necessárias, para que o tempo demarque a
vida sem que desesperadamente tentemos planificá-la, quando viveríamos em
verdade se estivéssemos interessados apenas em viver a vida.
Mas preferimos degustar a vida em
busca de respostas, significados, verdades, de perfeição; vivemos em busca de
algo que pudéssemos admirar. Ledo engano. A vida não passa de um ardil, cheio
de incertezas, máculas e inverdades. Nós somos fogo e palha, queimando em
nossos atributos como forma de seduzir e destruir o dia de outro alguém.
A vida é um grande engano. E a
verdade é que adoramos nos enganar todos os dias. Temos prazer em viver essas
pequenas mentiras, gostamos da sensação de torcer para que ela dê certo, mas
gostamos da segurança de que não seja eterno, de não estar acorrentado, ligado
definitivamente a uma decisão de puro contorno de pueril emoção.
A emoção se vai com o movimento e
se perder no tempo, com isso a verdade vem à tona e se desfaz todo o enredo.
Perdeu a graça para um. É o trágico fim para outro. É o apego brincando com o
desapego, nosso jogo de cenas, num ato final que se desdobra enquanto nossas
verdades ainda forem as mais incorretas.
Nós adoramos mentiras.
Ainda mais quando são das mentiras as mais sinceras.
Um comentário:
Mandou bem!
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