14 janeiro 2014

A culpa dos rolezinhos

Existem máximas que estão eternizadas em um discurso que todo brasileiro escuta desde que nasce. “O Brasil é o país do futuro”, “Somos uma nação miscigenada e por isso no Brasil não há racismo aqui”.São contos que muitos crescem acreditando, principalmente quem nasce do lado rico e branco.


Mas a realidade brutal que ter direitos é um sinônimo de ter poses. Seus recursos definem até onde você pode ir, quem você pode ser, com quem você pode falar, onde você pode estar, o que você vai comer, com quem irá se divertir, as pessoas com quem poderá partilhar um elevador.


O Brasil é o país da carteirada. É o país do “Você não sabe quem eu sou”, “Você sabe com quem está falando”. É o país onde sempre se cria um degrau para preservar o direito de quem é elite há gerações. É o país onde um perfume não é bom, porque aquela marca também vende para os pobres da classe C, mesmo tendo a Reese Witherspoon como garota propaganda.


Existe uma cortina de vapor que no passado era enxergada como uma barreira física pelos pobres filhos da periferia. Havia o universo dos ricos que se determinava pelo seguinte item: Aquilo que despertamos desejo em todos, porém que não permitimos acesso, consumo e uso a maioria. Assim se estabeleceu a discriminação moderna, em que coisas simples foram separadas para poucos e isso passou a ser esfregado na cara de todos pela cortina de vapor, como forma de valorizar e glamorizar a construção de um status da classe mais rica.


Mas ao perceber que a parede de vapor não era física, jovens resolveram fazer um rolê no pico dos outros, porque tudo que havia separando eles de um espaço público era a porta de entrada, que era aberta a quem tivesse pés ou rodas.


E eles entraram, com suas roupas, com seu dialeto, com trejeitos. Mal sabiam que o conto se desfazia. Esse país de todos é, na verdade, de alguns. Essa nação sem racismo, possui uma discriminação intrínseca muito mais forte, a social. Você pode ser negro, desde que travestido de branco. Não importa sua cor, importa quanto você ganha, como você se veste, como você fala, o que você consome e como você consome.


A verdade é que a vida hoje tem preços. O sistema determina tudo que você pode ser por quanto você pode pagar. Se você não pode pagar, você não será aceito. Não terá entrada. Se entrar, mesmo que em um espaço dito público, será rechaçado. Isso porque não existe mais espaço público. Todo espaço compartilhado na verdade possui um preço. E o preço é pago determinado naquilo que você pode pagar em aparência. Você compra seu passaporte para o Shopping JK a partir de como você se veste e como você anda, fala. Tudo isso é visto como um fator interligado que determina o seu potencial de consumo. Pois esse espaço compartilhado não é de convivência, é de consumo.


Você quer culpar o jovem por invadir o shopping? Ele não pode invadir algo que é aberto ao público. Você quer culpar alguns por quebrarem um loja e roubarem algo? Você está mirando numa consequência e não no problema. Alguém realmente é culpado por haver rolezinhos. Não seria preciso haver rolezinhos. Não se as pessoas fossem tratadas de forma igual e não através da aparência do poder de compra. Não se o mercado não trabalhasse numa lógica de exclusão dos pobres como um meio de gerar valor a ser explorado e cobrar de você um valor abusivo, muito superior ao preço real e justo. Não haveria rolezinho se alguém não tivesse que ser excluído.



No final, se os rolezinhos acontecem, a culpa é de qualquer um ali naquele shopping, menos dos jovens que o praticam. Eles são uma mera reação. É como uma alergia, seu corpo gritando quando entra em contato com algo estranho. Esse jovens são a reação de um corpo invadido por algo malicioso, eles são um grito de uma classe violada por uma lógica elitista e cruel. Eles não são causa, são consequência

E a menos que a sociedade identifique isso e passe a trabalhar significativamente nos abismos de direitos e acessos para maior parte da população, outras explosões sociais explodiram na cara dessa classe A nariz empinado. Seu mundo será cada vez mais invadido. Aos poucos, ele será invertido e colocado em conflito, pois será atropelado por uma realidade que será criada por uma orgânica ação popular. E teremos rolezinhos de tudo quanto é tipo e em tudo que há de lugar. E quem criou o monstro precisa aprender a com ele lidar. Não de forma violenta, não de forma repressiva, mas de forma inteligente e inclusiva, pois hoje o rolezinho também é consumidor. Talvez hoje apenas de um sorvete na praça de alimentação, um boné e uma camiseta, mas é consumidor também. Eles querem fazer parte, querem ser alguém nessa lógica de consumo. Isso é criação do próprio mercado.

Então fica aqui a dica, procure o culpado certo para o dedo apontar.

Nenhum comentário: