02 maio 2012

Réquiem do ego insólito


Às vezes me pergunto quando foi que o mundo desandou. Onde nasceu o carma que fez que nossa humanidade se colocasse em decomposição? O que nos faz seres nefastos e indiferentes aos nossos iguais? Por que da gritante necessidade de assepsia social?

Nossa organização social básica vem da formação e elevação do ego sobre outros indivíduos. A primeira organização básica de seres humanos, desde nossa gênese, é privativa. A liderança familiar era exercida por um homem.

O filho mais velho, o varão primogênito, receberia maior importância que os demais da herança de seu progenitor, além do posto de liderança familiar. Era elevado sobre os demais no único e prévio princípio de casta. Não era necessariamente o mais capacitado, com maior potencial, apenas o privilegiado pela ordem de geração. O privilégio da casta.

Desde nossa formação básica o nosso princípio social é elevar-se sobre os demais. Desenvolvemos o sentimento de posse e a necessidade de valoração sobre outros indivíduos para o reconhecimento de nossa própria existência. Isso ultrapassa os valores absorvidos do capitalismo, é a necessidade humana de diferenciação dos demais.

Sob essa via, todas as possibilidades de um indivíduo se diferenciar e sobrepor a outro indivíduo foram desenvolvidas. O impulso da mais natural a mais nefasta forma de segmentação social foram criadas.

Qual o cerne do impulso para desenvolver xenofobia? Antissemitismo? Homofobia? Higienização social? É fazer a si mesmo reconhecido como diferente ou não permitir que o outro se diferencie, não aceitar a capacidade de outro indivíduo de não seguir os padrões básicos de normalidade para que o meu ego não seja sobreposto.

É deste centro que temos movimentos contra uma estação de metrô no centro do bairro de Higienópolis, uma associação de mulheres paulistanas da elite, cidadãos sendo chamados de “gente diferenciada”, camarotes para castas políticas – como retratado no texto do Andy.

Aquilo que há de mais gritante é o impulso de ser algo apenas para diferenciar-se de forma qualificada de outro. Há uma necessidade de aplauso, há um vício voraz na sensação de superioridade. O capitalismo, na realidade, se alimenta desse desejo inquietante que temos de ser alguém através do que temos, do que possuímos. O cerne do capitalismo não é ter posse, mas como a posse nos qualifica parente aos outros, como ela nos faz sentir em referência aos demais.

A grande chave é tornar a posse algo de valor, atribuir sensação de exclusividade. Usuários do Iphone e Ipad se sentiam superiores ao usar o Instagram, pois esse recurso só era disponibilizado para hardware da Apple. Com a compra do recurso pelo Facebook, houve a disponibilização para aparelhos com sistema Android. Com isso, a massa de usuários que teria acesso ao recurso cresceria de forma considerável.

Usuários dos produtos Apple começaram a se manifestar contrariamente a liberação do recurso para outra plataforma, com o pretexto que “gente diferenciada” começaria a utilizar o Instagram e ele seria inundado por conteúdo “inapropriado”.

Contas em Tumblr foram criadas para satirizar essa invasão dos “pobres” ao Instagram. Pura manifestação de imbecilidade, egocentrismo, arrogância e prepotência.

Exemplos de conteúdo "útil"
de usuários do Instagram
O Instagram por natureza já era uma rede de conteúdo raso e irrelevante. Fotos do cotidiano de gente completamente desinteressante que não retransmite em suas publicações nada de importante na imensa maioria das postagens. As redes sociais de conteúdo pontual e curto não têm por natureza a razão de utilidade em seus conteúdos. É mera convivência social.

Pifiamente, qualquer conteúdo que seja fora da realidade da pessoa não existirá em sua rede, pois a verdade é que a rede social existe para você ter contato com pessoas que são do seu círculo social, pessoas da sua área de convivência. O conteúdo que você consome nessa rede é das pessoas que você se relaciona. O conteúdo que você recebe foi construído e designado por você ao construir sua relação virtual com essa pessoa.

Toda essa turba odiosa pelo uso do recurso por mais pessoas na verdade é pela desconstrução da exclusividade. Era a raiva da odiosa desconstrução do seu sentimento de status pelo patético fato de ter comprado um aparelho de celular ou tablet específico. O status que ostentava pela marca – usar Instagram era sinônimo de ter Apple e ter Apple era uma forma de demonstrar status – havia sido corrompido por aquilo que esses usuários consideravam ser a oferta do mesmo recurso aos pobres.

Usuários IOS e Android em pé de guerra?
É evidente que o Android possibilita a popularização de recursos. O sistema está disponível em aparelhos mais acessíveis e possuí um volume muito superior de aplicativos grátis. Porém, há aparelhos com o sistema Android que possuem preço de mercado superior ao Iphone, por exemplo.

A diferença é que esses aparelhos não ostentam o status. Seus usuários, nesse momento, o preferem por recursos oferecidos ou gosto, não pela imagem que ele acrescenta. Não que isso torne esses usuários melhores, isso só faz quem usa um Iphone por status uma pessoa sugada pelo sistema de imagem e ego, ou seja, uma pessoa facilmente manipulável pelo sistema.

Churrasco de gente diferenciada em Higienópolis
Reação ao réquiem do ego insólito
Somos seres corrompidos pelo desejo de nos elevarmos sobre os nossos iguais sobre parâmetros fúteis e efêmeros. Criamos um sistema cruel apenas para alimentar o ego de uma seleta casta que está lá pelo único privilégio de ter nascido nesta posição. Odiamos o nosso igual desfavorecido em aspectos sociais a invés de lutar para igualdade de condições de sobrevivência dessas pessoas. É um retrato amargo e patético como espécie.

Somos a espécie que luta contra a sobrevivência de si mesma. O ser humano é o único ser que reclama para si a existência de Deus e a única espécie nesse mundo que age como se não existisse um.

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