17 novembro 2011

Leve crônica de aspargos

Às vezes esquecemos a vida, mas não por falta de memória. Esquecemos por aquilo que invade o peito e explode, deixando a razão e a emoção em cacos.

Você se perde, vê um mundo psicodélico e assustador, vê-se só, numa situação constrangedora, sente-se humilhado, vê que todos apontam e riem de você, vê as pessoas que ama indo embora, vê seus sonhos ruindo, vê um mundo horrível do lado de fora da janela.

Você tem medo, tem que se esconder embaixo do cobertor, entra em desespero, sente na pele o clamor daquilo que mais teme sorrindo defronte ao seu nariz. O coração palpita com o furor do momento, num instante tudo se apaga e o juízo se manifesta na nossa verdadeira face.

Até que passa, você olha para os lados e vê; sorri e outra vez sobrevive, segue, progride como outro alguém diferente do que era antes. Mas, mesmo assim, ainda é você. A batida do coração pode ter desacelerado, mas a essência da ação ou ausência dela que você teve persiste em ser você.

Eu me esquadrinho num vasto leque de incompletude. Eu refugo, me intimido por aquilo que mais desejo e admiro. Quando eu contemplo, fico desconcertado. O que há de melhor em mim se rende a pureza de um momento em que eu deveria agir, mas tudo que me resta é estar rendido ao mais belo sorriso que já vi.

Olhar para o canto e ver o gato passar. Ele se espreguiça, roça a parede da poltrona, olha pros lados e finge um miado, mas não, foi apenas um leve bocejo, até o gato está cansado demais para miar!

“Eu estaria lá por você, mas eu estou muito cansado para me levantar da poltrona macia e desligar a tevê! Isto aqui está bom demais para que eu perca meu tempo em viver!”

Eu poderia me envolver novamente, poderia beijá-la, poderia amá-la mais do que amei todas as outras, eu poderia até morrer por você se fosse preciso, mas não, eu prefiro jogar tudo isso fora e jogar um pouco mais de play station, pegar uns biscoitos no pote e engordar mais uns dois quilos.

Eu poderia ir atrás de você, mas eu prefiro me esconder aqui em casa, atrás do enfeite da mesinha ou talvez em baixo da escrivaninha, quem sabe em qualquer outro lugar da sala. O que eu não posso é admitir para mim mesmo que eu gostaria é de me esconder em seus braços.

Sou um medroso, um palhaço, tenho medo de admitir a mim mesmo o sentimento! Que homem logrado! Parece mais um cão correndo atrás do rabo... E este nunca alcança, caí ao chão e não compreender por quê! Tapado! O óbvio grita na minha face e eu ignoro o dizer.

Mas por quem sou engando? Conta-me o segredo do meu temor, porque quando eu olho em seus olhos me tremem as pernas, lacrimejam os olhos, suam as mãos, a noção se perde... Não tenho forças para olhar em seus olhos, seu perfume me desequilibra e eu sinto que não estou em lugar nenhum.

Báh! Mais uma vez apaixonado? Não, não o posso! Irei sofrer incontrolavelmente, irei olhar o sol poente e perguntar por qual motivo ele se vai e me deixará só frente a ela. Por quê? O vento sopra e levanta as folhas marrons já mortas, ele ventila as cinzas do dia, leva embora o perfume das flores diurnas, leva a tristeza de um ciclo que se encerra sem me fazer ser o que almejo. Eu desejo fervorosamente o objeto daquele beijo, banhado ao pôr-do-sol de iludir-me na divagação vã. E lá se vai mais uma tarde sem que nada aconteça onde as belas palavras me levam para o mesmo caminho... Que me retorna para onde já estou.

Talvez o salivar da minha boca seja o sinal que o sabor do veneno já está adaptado junto aos meus aminoácidos. Talvez o fato d’eu sentir mais sede dos seus lábios que da própria água já signifique alguma coisa, mas eu não sei, sou só um qualquer jogando palavras cruzadas. Qual o nome da Primeira Deusa Grega com quatro letras?

Verdades, mentiras, todas sendo lavadas na mesma vasilha, serão separadas como feijão. Nosso juízo, infelizmente, baila vadio na valsa de não ver. Em seus passos trocados, certas verdades caem no lixo, algumas mentiras param na panela e depois não entendemos o porquê de nosso feijão estar tão ruim. Vivemos numa dança de critérios aleatórios moldados a comodidades, não em necessidades.

 Eu gosto de olhá-la de longe. Mesmo que me sinta tentado em me aproximar, não irei. É tão confortável ficar aqui admirando, depois reclamando, questionando o céu do por que d’eu nunca ter você aqui, será que você me diz?

Provavelmente não vá precisar, pois eu sei, só não consigo admitir que estou tão acomodado com o platonismo que talvez amar assim seja automático; deixar o amor escapar sem se realizar seja o que eu posso fazer para não permitir que meu sentimento ultrapasse a idealização, para não tirar de você o meu estigma de perfeição.

A minha inércia é a melhor forma de amar você da forma mais bela. Infelizmente, eu tenho medo da dor, da rejeição, da incongruência que não permitiria que nossas imperfeições se fizessem juntas tão belas.

Ás vezes penso em você como um anjo, ás vezes penso em você como uma flor, mas descobri que faltou pensar de verdade em você. Faltou lhe ver como ser humano, faltou tirá-la a perfeição e tratá-la como mulher. Invés de adular a todas as qualidades, faltou amar seus defeitos.

Quando olho seu retrato viajo, viajo nos seus óculos escuros, viajo nos seus lábios, suaves, tentadores e sensuais, viajo tanto que quando vejo que você está presa aos meus pensamentos, você se torna uma constante, é lei irrevogável, meu álibi, meu motivo, minha distração, é aquilo que me faz viver sorrindo enquanto todos estão chorando com o final refrão.

Gosto de olhar para o pôr-do-sol. É uma pena que mal possa vê-lo com tantos prédios ao redor. Perdi o horizonte, o mundo me separa do belo, o concreto, o moderno, comprou-me com o conforto e eu me vendi pela facilidade, agora corro atrás da comodidade, corro para subir sobre quem estiver vacilando abaixo. Troquei a felicidade que vem do esforço pela mentira de sabor palatável.

Você poderia me dizer, eu poderia ouvir, mas estamos muito ocupados com coisas mais importantes. Preferimo-nos a todo esse mundo doente! Prefiro ficar perdido em seus lábios, enroscado em seus braços a discutir política ou as mazelas que haveremos de enfrentar. Visto em seus olhos há um mundo muito mais bonito, visto em seus olhos eu tenho um motivo para ficar aqui sentado por horas e horas, sentindo seu perfume, tocando sua pele, deitar ao chão, sobre tapete bege. Pena que na verdade, você nunca está. Você nunca esteve. E pelo meu estado, você nunca estará.


Ontem derrubei o pote de aspargos, vi mil desenhos se formarem ao chão. Parecia criança deitada no gramado da praça olhando as nuvens para ver com que se pareciam. Com alguns aspargos escrevi seu nome. Logo pensei, quão bobo eu sou. Tolo, apaixonado, um ato ingênuo. O mais infantil dos homens praticava um ato nada mais que ridículo. Logo pensei, quem gostaria de ter seu nome escrito com aspargos?

A todo instante um sonho morre, a cada instante se perde uma oportunidade, a cada olhar pode-se descobrir um pouco que há de gente em nosso âmago. Mas o relógio corre, a vida acelera a maratona, seguimos no ritmo da degola e esquecemos os aspargos no pote quando deveríamos jogá-los ao chão, rasgarmos nosso pedestal e ser intensos pelo puro simples ato de cada dia estarmos vivos, ainda. Queria eu que escrevêssemos juntos nossos nomes com aspargos.

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