05 fevereiro 2014

Bandido bom é bandido morto? E o Aladdin?

Foto da Carta Capital
Sinceramente, eu entendo que alguém como Rodrigo Constantino seja incapaz de enxergar o simbolismo racista que é um jovem negro ser amarrado nu a um poste e agredido violentamente. É difícil para alguém que vive do alto de sua coluna da revista Veja, de uma crença firme em uma liberalismo econômico exacerbado que mal consegue fazer frente a argumentos de Ciro Gomes e Tico Santa Cruz, que pinta a sociedade como igual, perceber o quão ilustrativa essa imagem é a remontagem do tratamento escravista legalmente abolido há mais de um século.


Não é uma questão de culpar o ambiente ou proteger bandido. É enxergar o comportamento da própria sociedade, que justifica os fins que interessam de forma contraditória e hipócrita. A ação violenta contra o criminoso pobre e negro é aplaudida e defendida em coro. “Ser bandido é uma escolha”, é o argumento do colunista da Veja. E se ser bandido é meramente uma escolha, as consequências dessa escolha, no caso sofrer tal violência, é algo natural e aceitável pela sociedade. Pelo menos na cabeça do colunista e de quem o segue.


O que o indivíduo é e se torna não é um determinismo ambiental. Porém, há limites, incentivos e a construção de condições para que alguns possam se tornar diretores de uma empresa ou trombadinhas. Não é uma mera consequência? Não é, mas não é algo simplesmente escolhido.


É mais fácil seguir um caminho correto quando todas as condições para ter uma vida próspera são ofertadas. A questão do mérito se torna uma alternativa razoável quando há oportunidade relevantes a conquistar. Quando se tem acesso a educação, se possui uma estrutura de vida (casa, comida, conforto), ser bandido é uma opção.


É uma opção para essa pessoas, pois, mesmo com tudo isso, se tornam corruptíveis. Sonegam imposto, pagam “um café” para o guarda de trânsito, participam de esquemas fraudulentos, matam a namorada, abusam sexualmente da filha adotiva.


É fácil odiar o bandido pobre. Ele é agressivo, ele é violento. E violência se paga com violência, pelo menos no código de Hamurábi, essa “tão moderna” normativa de organização social. É fácil não se importar com a morte de quem praticou violência. É confortável construir uma relação entre causa e consequência nesses eventos.


Porém, o quão fácil é escolher uma vida sem crime quando não se tem a oportunidade do estudo? Quando sua carreira será de vendedor de doce no metrô? Ou flanelinha? Quão fácil é escolher o caminho honesto quando não se tem uma refeição para comer todos os dias? Quando a noite não há cama, travesseiro ou sequer casa para repousar? Quando não se possui uma família, pai ou mãe a olhar por você?


Não é uma questão de justificar as ações criminosas de um bandido, mas entender os fatores estruturais da sociedade que estimulam que exista um número grande de bandidos violentos oriundos das classes mais pobres. Entender que essa problemática não é limitada ao indivíduo, mas sim é uma expressão dos problemas estruturais da sociedade.


O criminoso não é a origem. Ele é uma prática, uma manifestação da doença que nossa sociedade sofre. Ele é um sintoma. Matar o indivíduo, acorrentá-lo nu em praça pública, revidar a violência, nada disso realmente será solução para a violência. É olhar para o caso isolado, é tratar um sintoma.


É claro que existem criminosos de índole ruim. Porém, nem toda pessoa que comete uma infração o faz por uma prática de mau caráter. Ou você acha que o Aladdin devia ser morto? Não? Mas ele roubou. Mas foi só um pão? Então se o roubo for de uma padaria, apenas pães, tudo bem? Mas se for para comer, tudo bem? Não? Mas o Aladdin? Você gosta do Aladdin. Você torceu para ele, pelo Gênio, pelo Abu. Não?

Mas os bandidos, ladrões, assaltantes, sequestradores, assassinos não são Aladdins! Claro que não, são apenas pessoas que passaram necessidade e que tiveram o crime como opção para ter o que comer, onde dormir.

Mas por que essa é a opção que ele tem? Ele realmente teve outras opções viáveis? Tinha estrutura para ter opções viáveis? Não sofreu nenhum tipo de violência, exclusão, discriminação?

Veja, responder a essas perguntas não é para eximir de culpa o indivíduo. Responder a essas perguntas é para entender como indivíduos em grande volume têm um rumo de vida específico. É entender as causas. O motivo não está simplesmente no desejo do indivíduo de cometer um crime. Mas toda construção social que cria esse indivíduo resulta na violência.

Mais importante que punir indivíduos pontualmente para crimes e violências, é atacar o ciclo que gera essa violência, que facilita o caminho para o crime. A marginalização.

Os países que possuem menores índices de desigualdade (não é mera questão de distribuição de renda, mas sim remuneração digna e compatível também para os trabalhos de baixa classe) são o que possuem os menores índices de violência. Lugar onde o lixeiro vive bem, ser lixeiro é uma boa opção. Lugar onde as opções de trabalho que você (se é que você tem opções de trabalho) não permitem a subsistência, o crime se torna a alternativa viável.

Não é questão de virar primeiro mundo. É uma questão de permitir uma vida estrutura para as classes baixas, é permitir que o pobre também compre, também desfrute, também viva. É tornar a condição de ter comida, roupa, casa, fazer tudo isso ser algo banal. É extinguir o cotidiano de sobrevivência. Quando as pessoas deixam de sobreviver e passam a viver, o comportamento agressivo diminui. Ser criminoso passa realmente a ser apenas uma mera opção, pois há alternativas para uma vida digna. As razões que levam alguém ao crime diminuem. Menos razões, menos pessoas no crime.

A violência não se justifica. Mas hoje ela é para nós uma mera consequência. Enforcamos Aladdins em praças públicas esperando que se resolva a violência. E tudo que isso irá resultar é em mais violência. Tanto na agressão ao Aladdin, como de novos Aladdins eclodindo para ocupar o espaço do que foi violentado e morto.
Não importa se você acha que bandido tem direitos ou não. Essa é uma discussão sobre a necessidade e utilidade dessa violência. Qual a solução prática de revidar um dano colateral com outra ação colateral? Qual o efeito prático? Matar o doente não combate a doença.

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